Entenda como a ação do COFA sobre cinco desafiadores Cs é fundamental para o sucesso e a longevidade do Family Business

Conselho. Palavra originária do latim “consilium”, que remete a sabedoria e a discernimento. Se eu fosse apostar em uma única palavra com o poder de auxiliar uma empresa familiar a perpetuar o sonho do fundador, apostaria em conselho – mais especificamente, em conselho de família, ou COFA, como esse fórum de discussões entre pais, filhos, primos e sobrinhos é conhecido no universo do family business. É esse conselho que confere sabedoria e capacidade de discernir a uma família empresária, oferecendo a seus membros um ambiente protegido onde possam falar abertamente de suas emoções e tomar decisões com maior segurança.

No Brasil, 90% dos negócios encontram-se sob controle familiar, mas somente de 3% a 4% sobrevivem à terceira geração. As estatísticas relacionam esse estado de coisas com a falta de um mecanismo para mediar e resolver os naturais conflitos de interesses e, ao mesmo tempo, com a desatenção à capacitação dos membros familiares nos negócios visando uma futura sucessão, justamente os dois assuntos que dizem respeito aos conselhos de família. Como, pela tradição torta brasileira, pensa-se na “passagem do bastão” somente após a morte do fundador, um conselho ativo não é imprescindível.

Também existe, no entanto, uma tradição brasileira boa. Eu convivi com inúmeras famílias que implantaram o conselho familiar como estrutura-chave de governança. Em minha família, percebemos a importância do COFA quando iniciamos o processo de profissionalização dos negócios e a estruturação da governança. Era necessária uma agenda de trabalho que atendesse ao interesse de todos. As conversas de negócios dos almoços de domingo passaram a ter local, dia e hora para começar; eu e meus irmãos passamos a nos comunicar de forma obrigatoriamente transparente e respeitosa. E esse processo nos deu mais segurança quanto ao negócio, inclusive no que diz respeito ao planejamento sucessório. 

Como o COFA funciona? Ele contribui para a preservação dos valores e para a continuidade do legado familiar ao possibilitar que lidemos melhor com desafios representados pelos assim chamados “cinco Cs” do family business:

1.              Controle:

Quando se apegam ao poder, os fundadores querem controlar tudo – negócios e família – e costumam dificultar o amadurecimento, o desenvolvimento e mesmo a independência de seus herdeiros. Se só um lado impõe suas vontades, os indivíduos do outro lado se sentem fragilizados, ou, no mínimo, despreparados para assumir responsabilidades. 

O conselho de família subverte isso ao estruturar um processo que, na prática, distribui melhor o controle dos membros familiares sobre suas vidas. Como o COFA faz isso? Auxiliando os membros familiares em sua capacitação e identificando talentos e vocações daqueles que gostariam de trabalhar nos negócios da família.

2.              Comunicação:

A boa comunicação é fundamental para o bom entendimento e harmonia familiar, mas, em muitas famílias, não é incomum que só o mais velho fale e os demais se limitem a escutar; também não é raro que haja intenções escondidas atrás das palavras. Como diz Randol Carlock, professor de mestrado do Insead, “os seres humanos tendem à reciprocidade: respondem à justiça com justiça e à injustiça com hostilidade”. Se todos falam e escutam abertamente, aumentam as chances de construir um vínculo de confiança, mas, quando uma parte se sobrepõe à demais e falta transparência, o relacionamento é abalado, gerando instabilidade nas relações entre pais, irmãos e primos. 

O conselho de família subverte isso ao melhorar a comunicação entre os membros familiares a tal ponto, que os leva ao alinhamento de objetivos. Como o COFA faz isso? Em suas reuniões, todos os membros da família têm voz e são tratados de modo igualitário. Mais do que voz, eles recebem a garantia de um espaço seguro para abordar assuntos nevrálgicos e espinhosos.  

3.              Conflito:

Conflitos de interesses são inevitáveis nas nossas vidas – e, nas famílias então, nem se fale. Nas famílias empresárias, isso também é verdade, claro, mas seu poder destrutivo fica maior, porque há muito mais coisas a destruir se os conflitos não forem abordados de maneira aberta, rápida e precisa.

O conselho de família subverte aos conflitos ao encará-los como meros pontos de vista divergentes e ao encaixá-los em um processo – sobretudo, um processo de aprendizado. Como o COFA faz isso? Ele protege as partes em situação de conflito estipulando maneiras sadias de discussão e processos de decisão transparentes em todos se sintam incluídos e nos quais ninguém se perceba lesado.

4.              Conexão:

Transmitir as histórias, os valores familiares e o orgulho de pertencer aquela família são importantíssimos para a continuidade e perpetuidade dos negócios, mas nem todos os fundadores têm paciência para fazer o que é necessário para isso: expor seus desejos e expectativas de maneira clara, mas sabendo respeitar a vontade das novas gerações para criar conexão com elas. Muitas vezes, a regra é a falta de conexão.  

O conselho de família subverte isso ao criar uma visão que possa ser compartilhada possa ser todos os familiares e mobilizá-los na direção da união. Como o COFA faz isso? Por exemplo, criando encontros regulares – até anuais – com temas e dinâmicas entre a primeira, segunda, terceira e quarta geração.

5.              Capacitação:

Se um herdeiro começa a trabalhar no “family business” apenas por se sentir obrigado a fazê-lo, ou por achar que não tem outra escolha, isso tende a ter um impacto ruim na família empresária. Passa para as pessoas envolvidas a mensagem de que o processo sucessório está ameaçado, pois não houve análise de vocação ou mérito. Arma-se assim uma bomba-relógio, que põe em risco a sucessão e os negócios como um todo.

O conselho de família subverte isso ao assegurar que trabalhar com a família seja uma escolha dos indivíduos e ao definir regras claras e um processo justo para a entrada na empresa.  Como o COFA faz isso? Por meio de um tripé que embase essa escolha – formação adequada, mérito para o cargo e desejo de participar do negócio. Enfatizo: respeitar a vocação, os sonhos e as expectativas dos membros familiares é imprescindível e capacitação é a solução; é preciso investir na carreira dos membros familiares, seja ela qual for. 

Concluindo: 

A longevidade de empresas familiares depende, acima de tudo, de relações familiares equilibradas. E estas dependem, acima de tudo, de um conselho de família estruturado, que possa ser forte e ativo. O futuro da família empresária dependerá de cada herdeiro conseguir ser protagonista de sua vida, vivendo-a plenamente, seja na empresa da família ou fora dela. E o futuro da organização dependerá de quanto os sucessores estejam preparados para assumir o comando, como afirma Bernhoeft (2003), e de quão bem lubrificado esteja o mecanismo do “relógio de crescimento” da família empresária, como complementam Gersick e Al (2006). Esse relógio deve começar a tiquetaquear bem cedo na vida dos membros familiares e manter sua pontualidade quando as pessoas envelhecem e o COFA é uma ótima ferramenta para manter esse relógio funcionando.

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