A capacidade de inovar, no sentido de permanentemente avaliar as coisas sob outros pontos de vista, de fazer diferente respeitando hierarquias e valores e buscar novos aprendizados, e de se reinventar, abraçando oportunidades e traçando novos rumos antecipando disrupções foram os temas dominantes no Family Business Innovation 2020. Em uma realidade altamente volátil, incerta, complexa e ambígua, características que em inglês formam o acrônimo VUCA (cunhado pela Academia militar dos Estados Unidos para definir o momento pós-guerra fria), temos que estar  preparados para fazer mudanças, muitas vezes radicais, mais vezes e mais rápido, seja em um ou em vários negócios ao longo da carreira e da vida.

Como bem definiu o publicitário e empreendedor Nizan Guanaes, na palestra que encerrou o evento, o mundo hoje se divide entre os “vivedores” e os “morredores”. Os vivedores são aqueles que encaram os problemas ou mudanças com vontade de superá-los e seguir em frente enquanto os outros se deixam abater pelas dificuldades e relutam em desapegar de hábitos, tradições e soluções já experimentadas. Mas para os vivedores, não basta possuir este espírito e fazer a opção, vivedores, na dimensão empresarial, têm que estar dispostos a cometer suicídio para reencarnar. Se não, correm o risco de serem mortos pelas circunstâncias de mercado ou pelos seus concorrentes. 

A mesma lógica se aplica aos produtos e serviços, como fica evidente na falácia da torradeira. Segundo o economista e professor da Columbia Business School, Bruce Greenwald, em longo prazo todos os produtos viram torradeira, usando o eletrodoméstico como sinônimo de commodity. Isto acontece quando não há inovação, pois, como lembrou o CEO da Qura, editora da prestigiada revista MIT Sloan Review no Brasil, Pedro Nascimento, nem mesmo as torradeiras viraram commodities. Muitos modelos possuem atrativos que vão muito além do preço, como funções adicionais e design moderno ou retrô. No mundo dos negócios não faltam exemplos de produtos considerados commodities que, avaliados sob uma nova perspectiva, se tornaram plataformas para inovação. Ou, há algumas décadas, você diria que água engarrafada era um negócio promissor e rentável?

Esta é uma premissa cada vez mais presente. O “mundo aconchegante de marcas antigas e volumes grandes, em que nada mudava drasticamente” e no qual “você podia apenas focar em ser mais eficiente e tudo ficava bem”, como definiu o empresário Jorge Paulo Lemann, ficou para trás. Cortar custos e investir em ganhos de eficiência para reduzir preço destrói valor. É preciso buscar diferenciação. Somente com a orientação para inovação é possível criar valor a partir de uma commodity.

A diferenciação, por meio de um ponto de vista curioso ou inusitado foi a origem do conceito de desobediência produtiva, cunhado pelo jornalista Ivan Moré, outro palestrante do Family Business Innovation 2020. Foi desobedecendo ou desafiando regras e fórmulas, procurando algo novo para o que era feito de forma tradicional que ele traçou uma carreira bem-sucedida. “Sempre respeitando a hierarquia, os valores e o propósito”, enfatiza Moré, acrescentando que mesmo em ambientes com alto nível de padronização e hierarquização é possível inovar adequando os processos de negócio a novas visões. 

No contexto da sucessão familiar, a desobediência produtiva se manifesta quando o sucessor consegue compreender a maneira como o e fundador ou líder pensa e quais são seus critérios de decisão e souber adaptá-los conforme os novos pontos de vista, dando vazão ao seu melhor sem necessariamente provocar rupturas abruptas nos padrões pré-estabelecidos. Dessa forma, os sucessores podem criar valor a partir de ideias inovadora alinhadas às transformações do mercado, sem ameaçar o DNA da empresa.  

Para que esta dinâmica funcione, o fundador, por sua vez, precisa estar aberto para ouvir pontos de vista – não necessariamente divergentes dos seus, mas que tragam outras perspectivas, e, acima de tudo, disposto a compartilhar o seu poder. Como afirmou o especialista, consultor de Empresas Familiares e professor do Massachusetts Institute of Technology – MIT, John Davis, também palestrante no evento, a transição deve ser feita quando as novas gerações estiverem prontas para assumir e não quando a geração sênior está pronta para sair. “A boa sucessão é quando a geração sênior consegue enxergar além de suas próprias necessidades e ver as demandas das novas gerações”, afirma. 

Uma das demandas marcantes das novas gerações é a incorporação de aspectos sociais, ambientais e de governança não apenas no propósito, na estratégia e na operação dos negócios, mas também nos investimentos que visam a preservação do patrimônio familiar. Os chamados investimentos de impacto têm profunda relação com o propósito e o legado das famílias na sociedade. Se este já era um aspecto latente, ganhou força com a pandemia da Covid-19. Estamos definitivamente incorporando o mote que rege a trajetória dos grandes líderes americanos: aprender, ganhar e servir.

Nesta dimensão, o Family Business Innovation foi palco para a apresentação de iniciativas bem-sucedidas que visam criar oportunidades para minorias, valorizando e viabilizando a inovação e o empreendedorismo. Vale do Dendê, Piraporiando e Trace Brasil, todas apoiadas pela CIVI-CO, que reúne iniciativas de impacto social lideradas por empreendedores que estão à margem, sem acesso a recursos e tem à frente a empresária e empreendedora social Patricia Villela Marino. 

A relação entre o sucesso nos negócios e o papel social é cada vez mais forte. Assim como as decisões de investimento estão priorizando critérios sociais, ambientais e de governança, as empresas terão que incorporá-los em suas estratégias para se manterem no mercado.  

Estes são alguns dos traços da complexidade e da ambiguidade do mundo VUCA. A interconexão cada vez mais ampla entre inúmeras variáveis faz com que os modelos tradicionais de avaliação de riscos e tomada de decisão já não sejam suficientes. Os impactos das transformações disruptivas são ambíguos e não podem ser analisados apenas com base em experiências anteriores. Estamos diante de cenários novos e complexos. A volatilidade do mundo VUCA requer a capacidade permanente de adaptação a cenários imprevisíveis, de se manter íntegro após as disrupções e de ter a flexibilidade necessária para se adaptar ao novo cenário desenhado por elas. 

Adapte-se ou morra.

*Nelson Cury Filho, é sócio fundador da Cedar Tree Family Business Advisors, fundador do Fórum Brasileiro da Família Empresária – FBFE, e especialista no desenvolvimento da família empresária. Possui mestrado em Consulting and Coaching for Change, pela INSEAD Business School, e certificação internacional como Family Business Advisor, pelo Family Firm Institute-FFI. 

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