No Brasil, onde 90% das empresas estão sob controle familiar e representam mais de 70% do PIB nacional, mecanismos para mediar e resolver conflitos de interesses nunca foram tão vitais para a saúde e a continuidade dos negócios como neste momento que atravessamos, durante a pandemia do novo coronavírus.

A governança familiar e corporativa se tornou ainda mais imprescindível para famílias e negócios em meio à incerteza. Melhorar a comunicação, minimizar conflitos e manter a família coesa são os principais desafios para controlar a crise e trazer equilíbrio para as relações, essenciais para a sobrevivência dos negócios.

Os líderes empresariais que conseguirem alinhar sua família, seu patrimônio e a gestão dos negócios no “olho do furacão” serão os primeiros a atravessar a tempestade.

Vejamos então como os chamados “5 Cs” da empresa Familiar podem ajudar as famílias empresárias a superar a crise.

Estamos enfrentando uma “tempestade perfeita”. É natural que o nível de tensão esteja alto, e os nervos estejam à flor da pele. Conflitos muitas vezes se tornam inevitáveis e, nas famílias, acentuam-se. Nos grupos familiares, seu poder destrutivo fica ainda maior, pois, se não forem abordados de maneira aberta, rápida, podem colocar o patrimônio de todos em risco e trazer instabilidade para a gestão.

Ter a habilidade de encarar abertamente o conflito, de forma construtiva, estipulando maneiras sadias de discussão (como a comunicação não violenta) e processos de decisão transparentes, em que todos os membros familiares se sintam incluídos e ninguém se considere lesado, é o primeiro passo para superar a crise.Gestão de crise requer tomar decisões rápidas e cirúrgicas, porém com muito planejamento

Se todos os membros tiverem a oportunidade de falar abertamente e escutar os demais pontos de vista, aumentam as chances de construir um vínculo de confiança e estabelecer um fluxo de comunicação madura. Atente que a forma como ela é transmitida é tão importante quanto o próprio conteúdo. Saber se comunicar de forma clara, sem ressentimentos, buscando uma solução, é fundamental para o bom entendimento e a harmonia familiar.

Porém, em se tratando de famílias empresárias, esse pode ser o maior desafio em momentos de crise. Quando uma parte se sobrepõe às demais e falta transparência na comunicação, os relacionamentos são abalados, o que gera instabilidade nas relações, em vez de harmonia nos lares e alinhamento nos negócios.

Em momentos de crise é comum que líderes e fundadores de empresas se apeguem ao poder, controlando negócios e família, impondo suas vontades. As consequências são subordinados e membros familiares fragilizados, acuados e inseguros ao assumir responsabilidades. Construir soluções, compartilhar medos e anseios, tomar decisões em consenso e manter a família unida não é fácil. Liderar com autoridade, não pela força, e sim pelo respeito e admiração, é o caminho.

Gestão de crise requer tomar decisões rápidas e cirúrgicas, porém com muito planejamento. E é fundamental estar amparado pela governança familiar: ferramentas, estrutura e fluxos que minimizem riscos e tragam maior clareza ao processo decisório.

Tudo isso fica muito mais fácil, por exemplo, para as famílias que já possuem um Conselho de Família (COFA), Regras de Conduta e Deveres e Obrigações (RDO). E, se tratando de governança corporativa, um Conselho de Administração ou Consultivo, de Compliance e de Gestão de Risco.

Manter a coesão dos negócios e a conexão dos acionistas e da família em tempos de crise é de vital importância. Famílias que possuem valores fortes e transmitidos de geração a geração sobrevivem em tempos bicudos. “Uma família alinhada supera qualquer crise, porém o oposto não é verdadeiro.” Toda família empresária cuja empresa sobrevive há gerações tem em comum a valorização de seu legado.

Transmitir as histórias, os valores familiares e o orgulho de pertencer àquela família são importantíssimos para a continuidade e perpetuidade dos negócios. Criar um espaço seguro para todos exporem seus desejos e expectativas de maneira clara e respeitando a vontade das novas gerações gera um elo de respeito entre todos, fazendo com que os negócios estejam alinhados com o propósito da família.

Entenda que estar alinhado não significa “se dar bem” com seus primos ou com seu tio, e sim estarem todos na mesma página, olhando para o futuro do patrimônio e dos negócios.

Famílias empresárias profissionalizadas que investiram na capacitação e desenvolvimento de seus membros e acionistas têm um grande diferencial competitivo em momentos de crise. Talvez este momento reforce ainda mais a necessidade imediata dos grupos familiares terem esse ponto como imprescindível para a perpetuação dos negócios.

Promova formação adequada, experiência no mercado de trabalho fora dos negócios da família, mérito para assumir um determinado cargo e desejo de participar do negócio. É preciso investir na carreira dos membros familiares, seja ela qual for. Enfatizo: respeitar a vocação, os sonhos e as expectativas dos membros familiares é fundamental para o sucesso dos negócios. Capacitação é a solução.

A família empresária brasileira nunca foi testada em tamanha prova de superação e resiliência como neste momento que vivemos. Ter a capacidade de liderar sua família e sua equipe será decisivo para a sobrevivência dos negócios. Iremos presenciar uma enorme deterioração do patrimônio de inúmeras famílias. Muitas não terão “estofo” financeiro e emocional para suportar esta realidade e ficarão pelo caminho.

Uma coisa é certa, a crise irá passar. As relações familiares equilibradas serão um diferencial muito importante para a retomada, continuidade ou recomeço dos negócios. As famílias que estiverem suportadas pelas ferramentas da governança enfrentarão a crise mais preparadas e, com certeza, sairão mais fortalecidas.

Artigo escrito para minha coluna na Forbes, publicado em 15 de abril de 2020

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